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quarta-feira, 3 de março de 2010

Literatura de Cordel

Em versos singelos

Alexandre Pavan

Literatura de cordel ganha salas de aula e transforma-se em instrumento pedagógico, da educação infantil ao ensino médio


"Cordel quer dizer barbante
Ou senão mesmo cordão,
Mas cordel-literatura
É a real expressão
Como fonte de cultura
Ou melhor poesia pura
Dos poetas do sertão.
(...)

O chamado trovador
Ou poeta popular
Era semi-analfabeto
Porém sabia rimar,
Seus folhetos escrevia
E os sertanejos os liam
Por ser o seu linguajar.
(...)

O cordel é dividido
Escrito, cantado, oral,
Porém o cordel legítimo
É aquele tipo jornal,
Que trazia a notícia nova
Em sextilhas, nunca em trova
Que agrada o pessoal.
(...)

O cordel sendo cultura
Hoje tem sua tradição,
Chamado literatura
Veículo de educação
Retrata histórias passadas
Que estão documentadas
Para toda geração."

Estrofes retiradas do folheto Origem da Literatura de Cordel e A Sua Expressão de Cultura Nas Letras de Nosso País, de Rodolfo Coelho Cavalcante.

Veio o rádio, a televisão, a internet. A cada novo avanço tecnológico das comunicações era decretado o fim dos folhetos de cordel. No entanto, apesar de ter enfrentado momentos de penúria, a tradicional literatura popular escrita em versos sobreviveu, e mais: ganhou os bancos escolares, nos quais alunos da educação infantil ao ensino médio a estudam e praticam.

No ano passado, em uma viagem pelo nordeste, berço do cordel no Brasil, a professora de português Regina Pavani Patriota adquiriu alguns folhetos e, impressionada com o envolvimento das pessoas daquela região com esse tipo de literatura, resolveu apresentá-la aos estudantes da Escola Estadual Padre Manoel de Paiva, de ensino médio, localizada no bairro do Campo Belo, em São Paulo, onde leciona.

"É muito interessante porque é popular e aborda temas atuais e do cotidiano", explica. No semestre passado, Regina realizou atividades de leitura e preparação de textos pelos próprios estudantes. "Se eles têm dificuldade para escrever prosa, imagine então em versos. Mas o resultado foi impressionante e todos se envolveram bastante", orgulha-se.

Patativa - A professora conta que a maioria dos alunos não sabia o que era cordel. Fernanda Andrade Pinheiro, 16 anos, foi exceção. Seus primos são donos da editora Hedra que, em 2000, colocou no mercado uma série de livros de bolso com textos de cordelistas famosos (Série Biblioteca de cordel, 10 volumes, cerca de 130 págs., R$ 10 cada). "Além disso, um outro primo meu é prefeito de Assaré (CE) e chegou a conhecer o poeta Patativa. Trabalhar com literatura de cordel em sala de aula é interessante porque é uma maneira de se envolver mais com a poesia", acredita a estudante. Sua colega de sala, Suzana Aparecida de Oliveira, também aprovou as atividades sugeridas pela professora. "Eu já tinha ouvido falar em cordel mas nunca havia lido nada, foi bom conhecer", revela.

A expressão "literatura de cordel" foi cunhada por estudiosos da cultura popular para designar os folhetos vendidos em feiras, em uma referência ao que se fazia em Portugal, onde cordéis eram sinônimo de livros impressos em papel barato, vendidos a preços baixos e expostos pendurados em barbantes, cordões, daí o nome.

Embora os folhetos brasileiros sejam uma herança portuguesa, esse tipo de literatura existiu (e em alguns lugares ainda existe) em quase todo o mundo, principalmente na Europa (Alemanha, Holanda, França e Inglaterra). Aqui ela começou a desenvolver-se no final do século XIX e fez sucesso nos sertões e áreas rurais, desempenhando a função informativa dos jornais, já que a circulação destes ficava restrita às capitais e cidades de maior importância. Estima-se que o Brasil já produziu mais de 40 mil folhetos. Hoje, acredita-se que existam 2 mil poetas em atividade.

Envolvendo realidade e ficção os temas abordados pelos cordelistas são os mais diversos, desde disputas eleitorais entre políticos e problemas sociais até histórias de amor e aventura que têm como personagens reis, rainhas e princesas. No entanto, dois assuntos destacam-se na preferência dos poetas: a religião (principalmente a devoção do povo a Padre Cícero e Frei Damião) e o cangaço (narrações sobre as façanhas de homens como Lampião e João Calangro).

Além da arte poética, os folhetos também trazem ilustrações em suas páginas - reproduções de desenhos, fotos coloridas ou então as tradicionais xilogravuras de artistas populares. As gravuras talhadas em madeira (imburana, cedro ou pinho) passaram a ser utilizadas na década dos 40 como uma forma de poetas e editores baratearem o custo de produção de suas obras.

Em abril passado, o Sesc Pompéia, na capital paulista, sob a curadoria do jornalista Audálio Dantas, organizou a exposição 100 Anos de Cordel, oferecendo feira de folhetos e xilogravuras, shows musicais, oficinas e palestras sobre a literatura popular. Motivada pelo evento, a escola de educação infantil Grão de Chão, situada no bairro de Perdizes, em São Paulo (SP), programou uma visita com seus alunos da pré-escola.

Há quatro anos os professores já haviam desenvolvido um trabalho sobre os cem anos da Guerra de Canudos utilizando o cordel. "Naquela oportunidade, apresentamos aos alunos os aspectos geográficos do nordeste. Dessa vez, quisemos trabalhar a estrutura de linguagem dos folhetos: suas rimas, versos, estrofes", explica a coordenadora pedagógica Paula Antunes Ruggiero.

Aos alunos foram apresentados alguns cordéis, como A Raposa e o Urubu e Criança Responde, este último, um jogral de perguntas e respostas com temáticas infantis. Depois, entre outras atividades, as crianças fizeram o registro de uma festa de aniversário em pequenas trovas. Foi uma produção coletiva, com os meninos construindo rimas com o auxílio da professora.

Cultura popular - "As crianças do Grão de Chão têm muito contato com literatura. Desde muito cedo eles ouvem poesia, parlendas e histórias, além disso valorizamos a cultura popular e a apresentamos com muito respeito", comenta Regina, que completa: "O encanto no aluno nasce na forma como o professor apresenta o material. Quando a gente mostra um cordel e diz 'olha que coisa legal que eu trouxe para vocês', contando a história, explicando o porquê do nome, isso produz na criança o desejo de olhar aquilo com carinho."

Postura semelhante é a das professoras Josca Ailine Baroukh, a Jô, Madalena Monteiro e Lynn Carone, que lecionam no Vera Cruz, no bairro do Alto de Pinheiros, São Paulo (SP), para as crianças do ensino infantil. O projeto pedagógico escolhido para este ano visa apresentar aos estudantes maneiras de brincar diferentes daquelas que eles praticam hoje, na era das diversões eletrônicas.

Assim, começaram a procurar uma história a partir da qual pudessem desenvolver atividades lúdicas integradas ao aprendizado. Madalena, que também é contadora de histórias, sugeriu o livro A Pedra do Meio-Dia ou Artur e Isadora (Editora 34, 77 págs., R$ 9), de Bráulio Tavares, escrito em forma de cordel e no qual são apresentados diversos desafios aos personagens.

Baseadas na narrativa, as professoras criaram um jogo de caça ao tesouro para as crianças. Primeiramente, depois de conhecer a história, todos tiveram de recontá-la. Uns fizeram de forma escrita, outros de forma oral. "Os alunos adoram rima e envolvem-se bastante com os textos poéticos", diz Lynn.

Em sua sala, Jô optou por anotar os comentários dos alunos. "Com isso, procurei mostrar as diferenças entre a linguagem escrita e a falada, pois eles repetiam muito 'aí' e 'então'. Juntos, fizemos a edição daquilo que eles recontaram e produzimos um livro, cujas ilustrações são 'xilogravuras' feitas com isopor", conta. Embora o resultado final tenha sido um texto em prosa, em algumas partes os alunos produziram rimas. "A sonoridade das palavras fica guardada na cabeça deles."

Todos os professores que têm trabalhado com o cordel - mesmo os que lecionam em uma cidade como São Paulo, onde é difícil encontrar folhetos à venda - se mostram satisfeitos com o resultado das atividades que aplicam aos alunos. Com a intenção de sugerir novas formas de usar essa literatura como instrumento pedagógico, os pesquisadores Hélder Pinheiro e Ana Cristina Marinho Lúcio lançaram recentemente Cordel na Sala de Aula (Editora Duas Cidades, 110 págs., R$ 12), livro que conta a história dos folhetos, apresenta um painel dos temas mais presentes e traz sugestões metodológicas de sua abordagem nas escolas. Mas os autores avisam: "É possível criar um ambiente agradável de invenção e apreciação dos folhetos sem o tormento da criação obrigatória. Afinal, como lembra Carlos Drummond de Andrade, precisamos mais de amadores de poesia do que propriamente autores."


Entenda os folhetos

- Pelejas - os desafios aparecem nos cordéis em uma reprodução do que acontece nas feiras e casas de cantadores de viola. Nesses folhetos, cada poeta mostra suas habilidades no verso e procura depreciar o oponente. Geralmente são escritas em ritmo de "martelo" (versos decassílabos, com acentuação nas terceira, sexta e décima sílabas).

- Folhetos de circunstância ou de época - esta modalidade relata os últimos acontecimentos políticos do País e do mundo, além de histórias curiosas de assassinatos de pessoas famosas ou assombrações que andam pelo sertão. Alguns tornaram-se clássicos, como os que versam sobre as mortes de Padre Cícero, Getúlio Vargas e Tancredo Neves.

- ABCs - poemas narrativos em que cada estrófe corresponde a uma letra do alfabeto.

- Romances - folhetos comumente escritos em sextilhas, com rimas em ABCBDB. Também são mais volumosos: têm de 24 a 56 páginas, enquanto as pelejas e folhetos de circunstâncias têm de 8 a 16 páginas.


Fonte: Cordel na Sala de Aula, de Hélder Pinheiro e
Ana Cristina Marinho Lúcio.
http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_revistas/revista_educacao/outubro01/destaque.htm ACESSADO em 03/03/2010

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