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domingo, 30 de agosto de 2009

Objetivos maiores que a alfabetização: EJA


entrevista

Objetivos maiores que a alfabetização: EJA – Educação para Jovens e Adultos

Para o especialista inglês, Timothy Ireland, é desafio da modalidade de ensino preparar para o mercado de trabalho e um mundo em transformação

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) ainda é vista por muitos como uma forma de alfabetizar quem não teve oportunidade de estudar na infância ou aqueles que por algum motivo tiveram de abandonar a escola. Felizmente, o conceito vem mudando e, entre os grandes desafios desse tipo de ensino, agora se inclui também a preparação dos alunos para o mercado de trabalho - o que ganha destaque nestes tempos de crise econômica. "Hoje sabemos do valor da aprendizagem contínua em todas as fases da vida, e não somente durante a infância e a juventude", afirma o inglês Timothy Ireland, mestre e doutor na área e especialista em Educação da representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.

Diretor do Departamento de EJA do Ministério da Educação (MEC) de 2004 a 2007, Ireland foi o responsável pela coordenação da sexta edição da Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), o mais importante encontro do mundo na área, que ocorre apenas a cada 12 anos. Sediado em Belém do Pará entre os dias 19 e 22 de maio, o evento foi realizado pela primeira vez na América Latina. Nesta entrevista, concedida à NOVA ESCOLA antes do início da conferência, Ireland apresenta um panorama de sua área e fala das principais questões que preocupam os estudiosos e dos desafios ainda a vencer.

Quando o assunto é EJA, se pensa em primeiro lugar na alfabetização. Essa é a função principal dela?
A alfabetização é uma parte fundamental, mas não é a única. No Brasil, a EJA tem sido associada à escolaridade compensatória para pessoas que não conseguiram ir para a escola quando crianças, o que é um erro. A Unesco trabalha com o conceito dos quatro pilares, surgido do desafio apresentado por um mundo em rápida transformação: precisamos aprender a ser, a viver juntos, a fazer e a conhecer. Também há o desafio da participação, da inclusão e da equidade: como colocar em prática o conceito da inclusão, que prevê o atendimento das demandas de aprendizagem da vasta diversidade de grupos. O Brasil tem segmentos com características bem definidas, como os povos indígenas, as comunidades quilombolas, as pessoas mais velhas. Todos têm direito à Educação.

O que gerou tantas transformações nessa modalidade de ensino?
Isso ocorreu porque a Educação tem de acompanhar as mudanças que estão acontecendo e interagir com elas. O processo educativo, idealmente, começa na infância e termina somente na velhice. Dessa forma, a EJA tem de ser vista numa perspectiva mais ampla, dentro do conceito de Educação e aprendizagem que ocorre ao longo da vida.

O que essa aprendizagem contínua contempla?
O processo tem três dimensões: a individual, a profissional e a social. A primeira considera a pessoa como um ser incompleto, que tem a capacidade de buscar seu potencial pleno e se desenvolver, aprendendo sobre si mesmo e sobre o mundo. Na profissional, está incluída a necessidade de todas as pessoas se atualizarem em sua profissão. Um médico, um engenheiro, um físico, todos os profissionais precisam se requalificar. Em momentos de crise, como o atual, isso fica ainda mais necessário. É comum o trabalhador ter de aprender um novo ofício para se inserir no mercado. Na social (que é a capacidade de viver em grupo), um cidadão, para ser ativo e participativo, necessita ter acesso a informações e saber avaliar criticamente o que acontece. Além dessas, há outra dimensão de aprendizagem muito pertinente neste momento: a relação das pessoas com o meio ambiente. Todos nós temos a necessidade de nos reeducarmos no que se refere a essa questão. Precisamos praticar novos paradigmas de sustentabilidade e novos hábitos de consumo.

Qual a importância dos programas de alfabetização de adultos no Brasil?
Existe uma vontade política muito forte de reduzir as estatísticas de analfabetismo. Para um país que pretende ser uma potência mundial, ter um número significativo de pessoas que não sabem ler e escrever é um ruído na imagem. Também é essencial lembrar que esse é um dos indicadores usados para calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Por fim, no campo pedagógico, a alfabetização representa o alicerce do processo de Educação, o portal pelo qual é necessário passar para poder continuar aprendendo.

Como adequar esses programas a um mundo em que o conceito de alfabetização tem se ampliado?
De acordo com o conceito da Unesco, a alfabetização é a habilidade para identificar, entender, interpretar, criar, calcular e se comunicar mediante o uso de materiais escritos vinculados a diferentes contextos. Dessa forma, o essencial é compreender que ela não é mais entendida apenas como o domínio básico da leitura, da escrita e das operações matemáticas. Para uma pessoa realmente possuir essas habilidades, ela tem de concluir pelo menos o Ensino Fundamental.

Quais são os países mais bem-sucedidos na EJA hoje?
Existem alguns com uma forte tradição nessa área, como Inglaterra, França e Itália, que têm introduzido na legislação o conceito de Educação ao longo da vida. Em geral, os europeus reconhecem o papel da EJA para o futuro social e econômico. Entre as nações emergentes, também há bons exemplos. Um deles é a Coreia do Sul, que estabeleceu dois planos nacionais de cinco anos para o desenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida. Outro é a China. Na América Latina, Cuba tem investido em Educação para todos e com qualidade. Prever verbas para a EJA é crucial para o desenvolvimento de qualquer nação.

Segundo dados da Unesco referentes à América do Sul, a taxa de analfabetismo no Brasil só não é pior que a do Peru. Por que estamos tão mal?
Eu apontaria três fatores principais. Primeiro, a riqueza natural do Brasil. Talvez ela tenha contribuído para que a Educação não fosse prioridade. Com tantos recursos, parecia não ser necessário investir nas pessoas. O segundo é que, obviamente, oferecer ensino em um país do tamanho do Brasil é muito mais difícil do que em outros menores, como o Uruguai e o Paraguai. Por fim, creio que não exista uma valorização da Educação. Só recentemente os governantes começaram a entendê-la como essencial para o desenvolvimento sustentável. Durante muito tempo, ela não tinha valor social nem para o próprio povo.

Houve avanços nos últimos tempos?
Um esforço muito maior tem sido feito recentemente, com investimentos nessa área. O fato de a EJA ter sido incluída no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi fundamental para garantir uma fonte estável de recursos. Antigamente, se escolhia uma fase da Educação como foco, mas o governo atual tem uma visão sistêmica do setor e defende o investimento em todos os níveis de ensino.

O que falta para que o Brasil tenha menos demanda para a EJA?
Há um problema sério. Muitos jovens que saem da escola semianalfabetos se matriculam na EJA. Eles não deveriam migrar para essa modalidade por falta de qualidade na escola regular. Para que um nível não gere demandas desnecessárias para outro e como forma de garantir continuidade nos estudos aos que aprendem a ler e escrever, é necessário estabelecer um projeto de políticas de alfabetização articulado com outros níveis de ensino. Aliado a isso, é necessário também investir mais na profissionalização dos educadores.

Os professores não estão bem preparados para educar jovens e adultos?
Obviamente existem os que são muitos bons.

Na maioria dos casos, os educadores desse público são improvisados e não têm preparo específico para atender esse público. Há formas diferenciadas de trabalhar com EJA e menos de 2% dos cursos de Pedagogia oferecem formação específica para esse fim.

Dados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade mostram que a evasão no Ensino Fundamental na EJA chega a 20%. Como evitar isso?
Há diversas variáveis interferindo nesse processo. Muitas vezes, o estudante não deixa voluntariamente a escola. Faz isso por causa da família ou do trabalho. Também existe a questão da qualidade do curso oferecido. Falta pensar a EJA com base nas demandas de aprendizagem dessa clientela específica. É importante reconhecer que a maioria dos estudantes que procuram concluir a Educação formal também carece de qualificação profissional e, por isso, deve-se articular a formação deles com a Educação continuada.

Como isso pode ser feito?
Há duas iniciativas do governo que representam um grande avanço na área: o Proeja (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos) e o Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens).

Além dessa relação com o mundo do trabalho, há outras a promover?
Sem dúvida. O MEC tem um papel importante de coordenar políticas que busquem a interface com outros setores. Já há relações fortes com a comunicação e a saúde. Pesquisas mostram claramente que mulheres com maior escolaridade cuidam melhor do bem-estar dos filhos. Há outros pontos que permeiam os dois campos. Os ministérios da Educação e da Saúde, por exemplo, se articularam para providenciar exames de vista e óculos para os que estão matriculados no programa Brasil Alfabetizado. Isso já ocorria com crianças, mas o reconhecimento de que o problema também afeta os mais velhos é muito bom.

O que mudou na área desde a última Confintea, em Hamburgo? As metas estabelecidas foram cumpridas?
IRELAND - Na edição de 1997, abriu-se muito o leque de responsabilidades a que a EJA tinha de atender. Além de contribuir para o desenvolvimento de cada ser humano, ela tinha de contemplar a questão do mundo do trabalho e até a paz mundial. Foram criadas demandas além de sua própria capacidade. No período imediatamente posterior à reunião, houve muito otimismo. Achava-se que os compromissos iriam se reverter em novos investimentos e esforços por parte dos governos. Mas isso não se deu. Quando se fala da avaliação da Confintea de Hamburgo, hoje o que sobressai é passar da retórica para a ação.

Quais são, então, os desafios atuais?
Atender a expectativas criadas em Hamburgo e também contemplar a crise financeira e econômica, que resultou na recessão global. Não há como negar que a EJA tem demandas próprias. É impossível desenvolver programas de qualidade sem que os recursos estejam garantidos. Normalmente, nas escolas são improvisados o local para essas aulas, os materiais utilizados e os educadores. Pra resolver isso, a profissionalização do corpo docente e o enriquecimento dos ambientes de aprendizagem são fundamentais. Em termos de gestão, é essencial implementar políticas de forma mais efetiva, transparente, eficaz e responsável, envolvendo na decisão representantes dos segmentos que participam da EJA - como a sociedade civil.

Criar políticas é papel da Confintea?
Em geral, a conferência estabelece linhas ou orientações políticas, mas é necessário que ela crie mecanismos para avaliar o que está sendo feito.

FONTE:http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/educacao/conteudo_476364.shtml?func=1&pag=1&fnt=9pt

1 comentários:

Anônimo disse...

ADOREI SEU CANTINHO. É MARAVILHOSO!
OBRIGADA